Esta tendência
natural à tolerância fica plasmada na passagem do julgamento do Zé Bebelo que
além de jagunço e preso pelos grupos contrários, manifesta uma suspeitosa colaboração com grupos de
militares e do governo, cuja função é manter o sistema de estrutura agrária
coronelista. Nesse julgamento nos currais- de - ajuntamento da Fazenda Sempre – Verde, um mundo de gente,
esbarrados no eirado, liso, grande , proveniente dos grupos de jagunços com
seus chefes, agachados todos no chão, a exemplo da vítima que, num estalo, deu
um pontapé ao tamborete e sentou-se no chão. O povo em assembléia, nivelado
pelo reconhecimento e respeito pessoal e diferenciados nas lideranças dos
grupos, sentenciou, pela voz do Riobaldo:
“Eu afirmo: Zé Bebelo é homem valente de bem, e
inteiro, que honra o raio da palavra que dá! Aí. E é chefe jagunço, de
primeira, sem ter ruindades em cabimento, nem matar os inimigos que prende, nem
consentir com eles se judiar..Isto, afirmo! Vi. Testemunhei. Por tanto, que
digo, ele merece um absolvido escorreito...”( Rosa,1986:238-9)
Decretada a justa
sentença da assembléia popular manifestando reconhecimento, respeito e
tolerância, bases do bem comum, a alegria contagiou o povo delirando de prazer
no consumo de angu e couve,abóbora-moranga cozida, torresmos, e em toda
fogueira assavam mantas de carnes, molhadas a cachaça e satisfazendo goles a
todos, no dizer de Rosa, (1986:246-7) Sorrir, gritar, cantar, dançar, comer,
beber e amar são expressões vivas da alma do povo, cuja existência é a
construção do prazer como um estado de alma que possui os valores do bom, do
belo, do verdadeiro e do justo, pilares de uma comunidade deslizada no “vau da
alegria e o vau da coragem” nas expressões rosianas.
A alma coletiva dos
povos de todos os tempos e lugares suspira, inspira, respira e move-se pela justiça que se resume
em que cada uma tenha o necessário para viver satisfeito. O progresso de uma
sociedade do bem-estar social resulta da iniciativa pessoal e coletiva dos
membros das diferentes comunidades mundiais e regionais em suas variáveis e
infinitas manifestações do saber ser e saber fazer, percebidos em Mediero Vaz , Joça
Ramiro, Riobaldo, Zé Bebelo, Diadorim, Quelemém, “sujeitos muito lógicos que
cegam qualquer nó” ( Rosa1986:77).
Sabe-se que a sociedade do bem-estar social
somente pode existir se, utopicamente, é criada. Os sonhos, as utopias se
tornam realidade ao contato com a vida. A vida sae do povo, conjunto de pessoas
comunicadas intersubjetivamente nas relações sociais e produtivas que
satisfazem o bem – estar pessoal e comunitário.
A coisas, os fenômenos, as obras e acontecimentos que se forjam, no traquejo
quotidiano, formam a rede da vida em que as pessoas se enrolam
A existência do outro constitui o fundamento de toda comunidade e
cultura. Porque existe um “você” – alteridade- existe um “eu” – individualidade.
Para que, a existência do outro possa realizar-se na comunidade é necessário
certas condições persistentes tanto no plano imaterial - sistemas de valores,
simbologia - como no plano da prática - instituições políticas,
instrumentalização econômica. Guimarães Rosa
já adverte que quando o projeto que Deus começa é para muito adiante, a
ruindade nativa do homem só é capaz de ver o próximo de Deus é em figura do
Outro”( Rosa,1986: 29-30) Como se insinua na longa e significativa narrativa
mítica rosiana esse Outro é o semelhante, o reconhecido igual ao sujeito
pensante e prático, criador da imagem do OUTRO – Deus, o Bom ou da
imagem do OUTRO – o diabo, o Coisa – Ruim.
A subjetividade
O estado anímico do
bem – estar pessoal, objetivado no desejo, prazer, gozo, felicidade, medo e dor
que experimentam os indivíduos na prática humana e social, analisada nesse
Simpósio, é condição da relação funcional existente entre os indivíduos da
coletividade. Essa relação funcional, que liga as pessoas entre si, ocorre,
sobretudo, mediante o significado inerente a toda palavra, símbolo criado pelas
pessoas para aumentar o fundo social do conhecimento que comunica e orienta
toda ação produtiva prazerosa. Perelló, (1998).
“Estou contando não
uma vida de sertanejo”
O conteúdo cultural, ideológico e
simbólico da palavra “sertanejo” encontra-se na pergunta que Riobaldo, possuído
pelo medo, dor e paixão, fazia ao cego Borromeu, “feio, feito negro que embala
claninote “na trincheira de uma residência do Paredão chicoteada a balas:
-
“Você é o Sertão?!
-
“ Ossenhor
perfeitamém, ossenhor perfeitamém... Que sou é o cego Borromeu...Ossenhor
meussenhor...” – ele retorquiu.( Rosa,1986:523-4)
Dificilmente o
significado do conceito básico “SERTÃO” do drama rosiano, muitas vezes definido
por Rosa, pode clarear com tanta luz o
conteúdo real do conceito que dá nome a narrativa maior de Rosa, como a
resposta -..."sou o cego Borromeu."
O cego Borromeo,
achado no fundo do Sertão e cujo ofício era pedir muitas esmolas personifica
cada ser humano submergido nos muitos e diversos cantos do mundo, vivendo e
procurando a porfia uma luz para enxergar, pelo menos um pouco, a complexidade
do real.: a CARÊNCIA que é a situação natural da
deficiência e limitação humana que experimenta todo ser vivo. Riobaldo, pela
funcionalidade da relação intersubjetiva descobre na potência natural do
necessitado o poder da inteligência humana de criar..." passarinho que se
debruça - o vôo já está pronto.(
Rosa,1986:6- 15)
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