quarta-feira, 17 de novembro de 2010

DETRAS DOS MORROS

      
Jorge Solivellas Perelló
                                                                       Escritor e Professor-www.cemper.com.br

A sabedoria e a beleza ligadas nas obras do João Guimarães Rosa avivam a esperança do encontro íntimo entre o reino animal, vegetal e mineral latente nos elementos pujantes do cerrado mineiro. Ele, no conto Campos Gerais, narra a emoção do menino Miguilim ao contar à mãe que o Mutum, sua terra nativa, era lugar bonito e sua mãe absorta noutra realidade subjetiva lhe responde:” estou sempre pensando que lá por detrás dele acontecem outras coisas, que o morro está tapando de mim, e que eu nunca hei de poder ver...”( Rosa 1967: 28-29).
Conhecer o cerrado dos Gerais significa saber e saborear as coisas que acontecem atrás dos morros e entre serras e vertentes do sertão. Sabedoria, segundo Rosa, em Grande Sertão, Veredas é desconfiar das idéias arranjadas e, no conto Burrinho Pedrês afirma que o que conhece das pessoas foi com o traquejo dos bois que apreendeu. Aprender é vislumbrar e criar outro sistema de vida social onde as famílias e as pessoas, sem exceção, vivam em harmonia servindo umas às outras, como Riobaldo, nas travessias, descobre no povoado- Paraíso Verde Alecrim:
 No Verde-Alecrim, delas- mulheres damas- era toda a terra plantável. Por isso, os moradores e suas famílias serviam a elas, com muita harmonia de ser e todos os préstimos, obsequiando e respeitando - conforme eu mesmo achei bem: um sistema que em toda a parte devia de sempre usar. (1986: 466-7)

 Guimarães Rosa não se fecha na prospera vida profissional de médico doutor. Comunica de maneira clarividente o estado anímico da existência humana no fértil cerrado mineiro. Mostra a dura realidade sertaneja, das mil e tantas misérias, imposta pelos grupos poderosos de fazendeiros, coronéis, políticos, militares, comerciantes, viajantes, igrejas e juristas. Como diplomata não se contentará em usufruir as benesses e belezas dos patronos e patrícios políticos. Ele saberá planejar o tempo favorável da vida burguesa para regalar ao mundo seu olhar sobre as pessoas da sociedade rural e urbana. Ele se torna mestre porque descortina o despontar da aurora desde a cátedra dos morros. .          O doutor Rosa foi diplomado “Honoris Causa” pela universidade do cerrado. Seus princípios e teorias se apóiam no conhecimento e na prática dos grupos de vaqueiros, tropeiros, jagunços, meeiros, donas de barracos e moças em flor. Seus contos ensinam que as pessoas somente se educam, se alegram, festejam e se salvam em comunidade e na reza..
João não se intimidou ante as regras e métodos fixados pela escrita e fala. Ele, fiel e artisticamente, soube comunicar seu caminho pessoal e viajar no caos desse mundo. Revelou seu método peculiar e o seu estilo de escrever, de ler e de falar oriundo dos sertanejos, base da sabedoria popular. Sua obra máxima, Grande Sertão, Veredas,  se torna a metodologia científica individual, única e permanentemente criativa. Ele teceu em filigrana uma existência pessoal repleta de afeto ao transformar pessoas, coisas e fenômenos em ações encantadoras. Vejam: “a flor do amor tem muitos nomes. Nhorinha prostituta, pimenta-branca, boca cheirosa, o bafo de menino-pequeno” (1986:164). Nesse texto, Rosa  identifica, através do Riobaldo, o amor que sente na alma para às coisas e pessoas do mesmo modo como ama a namorada Otacília, pois “toda moça é mansa, é branca e delicada. Otacília era a mais”.
 Segundo Meyer (2008), Rosa escreve com paixão e poesia, atraindo as pessoas para sentir e viver a natureza como sujeito palpitante, sem se ater a uma ideologia mesquinha e egoísta.
Recentemente em Nagoya (Japão), no Encontro da ONU sobre Diversidade Biológica, os 193 países concluíram compensar aos países tropicais exportadores de plantas, minerais e animais e, assim, justificar as patentes dos produtos em laboratórios de países ricos. Este fato configurou o fenômeno da já estendida biopirataria, camuflada pela crescente ideologia da ecologia de ficção.
A vida é muito discordada. Tem partes. Tem artes. Tem as caras todas do Cão e as vertentes do viver ( Rosa, 2008. p, 520 ).


M E T E O R O   C U L TU RA L
                                                                                                                             Jorge Solivellas Perelló
                                                                                                              Escritor e Professor-www.cemper.com.br
 O Trovão
            Impressionante, surpreendente e, talvez, esperançosa a movimentação cultural que se está promovendo na região e cidade dos lagos neste final de primavera 2010.
Aproxima-se, de modo esplendoroso e estelar, o meteoro da cultura. Provo minha afirmação. Quem tiver a mão a tecnologia cibernética basta abrir o Site www.literata.net e se convencerá, por si próprio, da passagem desse meteoro cultural.
Será útil para este comentário recordar que meteoro significa uma aparição brilhante e efêmera de um fenômeno na atmosfera terrestre
Poucos dias atrás um artista plástico da cidade, conhecido nacional e internacional, estava perplexo do descaso cultural crônico duma cidade e duma região que a natureza engalanou  de luz, de cores, de lagos reluzentes, de serras contemplativas do beijo secular do mar de terra com o oceano azul do firmamento do sertão, de florestas nativas, sulcadas de riachos que alegremente avançam para os muitos rios que ligam os mares dos oceanos do planeta.
            A região e as cidades articulam um belo marco onde pássaros mil cantam sem descanso, e as capivaras e jacarés senhoreiam pelos lagos e beira-rios, à vontade, olhando a gente com caras de famosos investigadores biológicos. Os jovens moradores bípedes correm, cantam, ouvem músicas metálicas ( sinais dos tempos), sentados nas generosas sombras das árvores tropicais que ainda sobram da devastação dos seres tidos como humanos. Alguns casais de gente sensível, deitados na grama das veredas se abraçam e afogam no ato mais divino da natureza e que: o amor real.
            O famoso artista plástico será um dos poucos habitantes dessa região que, conectado a beleza natural regional, escapou da apropriação exploratória dos grupos dominantes  da modernidade que condicionam os bondosos e inteligentes habitantes da região.
Surpresa
            Por que essa surpresa ante essa passagem inesperada do meteoro cultural ?
            Os acontecimentos culturais programados que se sucederão nesse final de primavera, sentindo já o fogo do verão, podem converter-se no fenômeno atmosférico da aparição dum meteoro. Tomara que estivesse errado! Mas o maior dos artistas da região o gênio João Guimarães Rosa avisa:
Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo, desconfio de muita coisa .Uma coisa é pôr idéias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias...”
            A cultura é como a religião não se impõe. A cultura se iguala a educação que tampouco aceita imposições. A surpresa do acontecimento poderá ser, talvez, melhor compreendida narrando um fato cultural que aconteceu, nada menos, que na cidade natal de Guimarães Rosa, Cordisburgo. A cidade, o Estado, a Nação e o mundo celebravam o Centenário do Nascimento de Rosa.
            A Comissão Oficial do III Encontro Regional das Artes Roseanas de Sete Lagoas , juntamente com 45 professores de letras do sistema municipal do ensino fundamental, no dia 27 de junho de 2008, dia do nascimento de Rosa, depois de assistirem, de manhã, na Av. Guimarães  Rosa a primeira inauguração da placa homenagem a Rosa, viajaram num ônibus fretado pela Prefeitura Municipal para Cordisburgo com o objetivo de participar ativamente das solenidades do Centenário. Entre as solenes atividades do dia se destacava o concerto da Orquestra Filarmônica do Estado de Minas Gerais. O concerto foi na espaçosa igreja matriz de Cordisburgo que estava lotada de moradores da cidade. Era uma confraternização de parentes, vizinhos, conhecidos e visitantes . Pelas 14,00 horas começou o concerto. Caiu um silêncio sagrado. As músicas eram de clássicos compositores europeus. Notas afinadíssimas, melodias lindas, interpretação perfeita. Passados poucos minutos, mesmo no templo, a platéia começou a ficar inquieta, logo iniciou umas conversas entre vizinhos, depois o desfile de retorno a vida normal de moradores da cidade.  No final ficavam os organizadores da atividade. Por que a desbandada?
            A população está condicionada a músicas populares e locais. A programação foi um desconhecimento do povo e até, como se comentava entre alguns eruditos, um desprezo ao maior autor da arte popular.
            Sem dúvida, que a cultura, em todas as manifestações  representa o desenvolvimento humano e social dum país. A beleza e o significado das artes jamais é patrimônio dos mais poderosos e ricos. Todo morador da cidade, naturalmente, está dotado de sensibilidade para o prazer das artes. Mas o morador da região, desde o dia que nasce, deve ser estimulado à descoberta pessoal da beleza presente nos mudanças energéticas do entorno. Esta sensibilidade continua na escola infantil, na fundamental, no ensino médio e nas faculdades. Infelizmente é uma exceção encontrar esse processo formativo.  
            Espero que esse admirável empreendimento apoiado por empresas regionais e transnacionais e que proporcionam a presença de grandes escritores, atores, pintores, músicos e dançarinos de outros estados do Brasil, seja um início de um processo lento, porém firme, do retorno a cultura que liberta a região e o país.