quarta-feira, 30 de abril de 2014

POVO, RAIZ DA JUSTIÇA


Esta tendência natural à tolerância fica plasmada na passagem do julgamento do Zé Bebelo que além de jagunço e preso pelos grupos contrários, manifesta uma  suspeitosa colaboração com grupos de militares e do governo, cuja função é manter o sistema de estrutura agrária coronelista. Nesse julgamento nos currais- de - ajuntamento  da Fazenda Sempre – Verde, um mundo de gente, esbarrados no eirado, liso, grande , proveniente dos grupos de jagunços com seus chefes, agachados todos no chão, a exemplo da vítima que, num estalo, deu um pontapé ao tamborete e sentou-se no chão. O povo em assembléia, nivelado pelo reconhecimento e respeito pessoal e diferenciados nas lideranças dos grupos, sentenciou, pela voz do Riobaldo:

“Eu afirmo: Zé Bebelo é homem valente de bem, e inteiro, que honra o raio da palavra que dá! Aí. E é chefe jagunço, de primeira, sem ter ruindades em cabimento, nem matar os inimigos que prende, nem consentir com eles se judiar..Isto, afirmo! Vi. Testemunhei. Por tanto, que digo, ele merece um absolvido escorreito...”( Rosa,1986:238-9)

Decretada a justa sentença da assembléia popular manifestando reconhecimento, respeito e tolerância, bases do bem comum, a alegria contagiou o povo delirando de prazer no consumo de angu e couve,abóbora-moranga cozida, torresmos, e em toda fogueira assavam mantas de carnes, molhadas a cachaça e satisfazendo goles a todos, no dizer de Rosa, (1986:246-7) Sorrir, gritar, cantar, dançar, comer, beber e amar são expressões vivas da alma do povo, cuja existência é a construção do prazer como um estado de alma que possui os valores do bom, do belo, do verdadeiro e do justo, pilares de uma comunidade deslizada no “vau da alegria e o vau da coragem” nas expressões rosianas.

A alma coletiva dos povos de todos os tempos e lugares suspira, inspira,  respira e move-se pela justiça que se resume em que cada uma tenha o necessário para viver satisfeito. O progresso de uma sociedade do bem-estar social resulta da iniciativa pessoal e coletiva dos membros das diferentes comunidades mundiais e regionais em suas variáveis e infinitas manifestações do saber ser e saber fazer, percebidos em Mediero Vaz, Joça Ramiro, Riobaldo, Zé Bebelo, Diadorim, Quelemém, “sujeitos muito lógicos que cegam qualquer nó” ( Rosa1986:77).

 Sabe-se que a sociedade do bem-estar social somente pode existir se, utopicamente, é criada. Os sonhos, as utopias se tornam realidade ao contato com a vida. A vida sae do povo, conjunto de pessoas comunicadas intersubjetivamente nas relações sociais e produtivas que satisfazem o bem – estar  pessoal e comunitário. A coisas, os fenômenos, as obras e acontecimentos que se forjam, no traquejo quotidiano, formam a rede da vida em que as pessoas se enrolam

A existência do outro constitui o fundamento de toda comunidade e cultura. Porque existe um “você” – alteridade- existe um “eu” – individualidade. Para que, a existência do outro possa realizar-se na comunidade é necessário certas condições persistentes tanto no plano imaterial - sistemas de valores, simbologia - como no plano da prática - instituições políticas, instrumentalização econômica. Guimarães Rosa  já adverte que quando o projeto que Deus começa é para muito adiante, a ruindade nativa do homem só é capaz de ver o próximo de Deus é em figura do Outro”( Rosa,1986: 29-30) Como se insinua na longa e significativa narrativa mítica rosiana esse Outro é o semelhante, o reconhecido igual ao sujeito pensante e prático, criador da imagem do OUTRO – Deus, o Bom  ou da  imagem do OUTRO – o diabo, o Coisa – Ruim.

A subjetividade

O estado anímico do bem – estar pessoal, objetivado no desejo, prazer, gozo, felicidade, medo e dor que experimentam os indivíduos na prática humana e social, analisada nesse Simpósio, é condição da relação funcional existente entre os indivíduos da coletividade. Essa relação funcional, que liga as pessoas entre si, ocorre, sobretudo, mediante o significado inerente a toda palavra, símbolo criado pelas pessoas para aumentar o fundo social do conhecimento que comunica e orienta toda ação produtiva prazerosa. Perelló, (1998).

“Estou contando não uma vida de sertanejo”

            O conteúdo cultural, ideológico e simbólico da palavra “sertanejo” encontra-se na pergunta que Riobaldo, possuído pelo medo, dor e paixão, fazia ao cego Borromeu, “feio, feito negro que embala claninote “na trincheira de uma residência do Paredão chicoteada a balas:

-         “Você é o Sertão?!

-         “ Ossenhor perfeitamém, ossenhor perfeitamém... Que sou é o cego Borromeu...Ossenhor meussenhor...” – ele retorquiu.( Rosa,1986:523-4)

Dificilmente o significado do conceito básico “SERTÃO” do drama rosiano, muitas vezes definido por Rosa,  pode clarear com tanta luz o conteúdo real do conceito que dá nome a narrativa maior de Rosa, como a resposta -..."sou o cego Borromeu."

O cego Borromeo, achado no fundo do Sertão e cujo ofício era pedir muitas esmolas personifica cada ser humano submergido nos muitos e diversos cantos do mundo, vivendo e procurando a porfia uma luz para enxergar, pelo menos um pouco, a complexidade do real.:  a  CARÊNCIA que é a situação natural da deficiência e limitação humana que experimenta todo ser vivo. Riobaldo, pela funcionalidade da relação intersubjetiva descobre na potência natural do necessitado o poder da inteligência humana de criar..." passarinho que se debruça  - o vôo já está pronto.( Rosa,1986:6- 15)

terça-feira, 29 de abril de 2014

A JUSTIÇA VEM DE HOMENS POPULARES.-IX ERAR-


As idéias arranjadas, modernamente conhecidas pelos aparatos ideológicos do poder, contraditoriamente, fizeram surgir, quando menos se espera, da terra molhada e da poeira dourada do bravo sertão, pessoas  de carne e sangue quente, de personalidade própria, pois nunca “aceitam inteiro o alheio” , que formam grupos organizados de uma coletividade cuja existência origina-se na operacionalização de projetos comuns que levam no seu bojo o sonho de uma sociedade justa, apaixonada, produtiva e criativa a fim de responder as demandas essenciais e a plena satisfação das necessidades pessoais e coletivas da comunidade na constante procura do fértil Paraíso.

 
Impor justiça.

 
Os fatos e acontecimentos contados de modo cativante por Riobaldo, Tatarana, o Urutu Branco, como era taticamente apelidado pelos jagunços de seu grupo, comunica de maneira clarividente o estado anímico da existência humana no Sertão das Gerais. Topa-se de frente com a dura e complexa realidade sertaneja criada e imposta pelos interesses particulares e de grupos poderosos, liderados pela eterna e conservadora classe ruralista, aliada aos tradicionais grupos hegemônicos de fazendeiros -  coronéis -; políticos ; militares; comerciantes, igrejas e juristas. Forma-se, assim,  uma estrutura social organizada por grupos cada vez mais antagônicos obcecados pela secular aventura da invasão de terras, casas, arraiais e indivíduos mediante a lei do mais forte. “Sertão é o penal, criminal. Sertão é onde homem tem de ter a dura nuca e mão quadrada” ( Rosa, 1986:92).

... “Então Medeiro Vaz, ao fim de forte pensar, reconheceu o dever dele: largou tudo e saiu por esse rumo em roda, para impor a justiça”. (Rosa, 1986:33-34)

Os atores dos dramas e contos emergentes do enredo das ações de Grande Sertão, Veredas, manifestam com rasgos chocantes a tendência naturalmente ambiciosa da pessoa e o instinto de fazer justiça, sobretudo aos excluídos da convivência humana.
Joca Ramiro, a maior esperança do nosso sertão, também igualmente saía por justiça e alta política em favor de amigos e perseguidos ( Rosa,1986:34) pagando com a vida a decisão de dedicar-se sempre a fazer justiça e colocar no sertão um governo que fosse garantia do estabelecimento do valor do bem comum e da tolerância para todos.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

ENCONTROS COM ROSA - IX ERAR- 2014

    Os Encontros Regionais de Artes Rosianas vem acontecendo em Sete Lagoas e região desde o ano 2006. Data comemorativa dos 50 anos da obra épica Grande Sertão: Veredas. Este acontecimento, que foi um sucesso, graças a participação dos movimentos culturais populares da cidade e da região pegou fogo para durar até este ano 2014, já com o IX ERAR.
   A obra literária de nosso conterrâneo João Guimarães Rosa contem todas as manifestações culturais
que as comunidades humanas criaram para responder aos desafios materiais e espirituais que aparecem constantemente às comunidades de cada época e lugar.
   O Brasil e o mundo não somente leu os romances e contos de Rosa, senão que também fluíram de seus tópicos filmes, teatros, danças, cantos, exposições, publicações, concursos e potencial para tentar criar uma sociedade mais solidária e, por isso, mais humana da sociedade que foi construída até nossos dias. Guimarães Rosa, sobretudo, em Grande Sertão: Veredas indicou as veredas certas para uma nova comunidade mais feliz.
   A cidade de Sete Lagoas e região durante 8 anos, através das escolas municipais, estaduais, particulares e com o apoio da prefeitura, empresas e religiões e associações , recriou, com originalidade, as artes perscrutadas em suas diversas obras, estudando a cada ano um tema debatido mundialmente.
   Este ano em que emocionados, ainda choramos a morte do escritor colombiano Gabriel Gárcia Márquez que, com a imortal obra Cem anos de solidão, também revolucionou a realidade sulamericana e apontou normas para mudar a sociedade e viver felizes conforme a dinastia Buendia planejou para Macondo que é o mundo, assim como o sertão, como proclama Rosa, é também o mundo.
   Por isso, o tema a debater este ano no IX Encontro Regional das Artes Rosianas será : Semelhanças e diferenças nas obras Grande Sertão: Veredas e Cem Anos de Solidão.
   Por ser ano da Copa mundial de Futebol e de eleições gerais o IX ERAR 2014 será debate por blog e rede social Facebook. Apreender é o que interessa.

ENCONTRO COM ROSA- IX ERAR 2014-


 
RAÍZES DA JUSTIÇA EM GRANDE SERTÃO; VEREDAS
 
 
“ Eu queria decifrar as coisas que são importantes. E estou contando  não é uma vida  de sertanejo,    seja se for  jagunço,  mas matéria vertente. ( Rosa,   1986:83)

 
A Palavra

       A frase do frontispício que abre o estudo sobre A Alma Coletiva de Rosa vem sendo, mansa e minuciosamente falada pelo protagonista Riobaldo, da obra Grande Sertão, Veredas, referência permanente dessa reflexão.

 Os fatos, os acontecimentos, as personagens, nítidas visões do sertão dos lados, do sertão de dentro e do grande sertão que não acaba, revelam a alma coletiva do povo que, no dizer do Riobaldo “atura  remoque de todo, reparte no miúdo de cada dia, tão penoso aborrecido. Mas cada indivíduo só vê e entende as coisas dum seu modo...Só eu  que sou capaz de fazer e acontecer.” (Rosa,1986:111- 105)

No redemoinho do sertão de cada dia, toda figura humana cria, devagar, suas veredas de vida e morte.

A narração épica relatada por Riobaldo, está inspirada na conduta humana de remotas comunidades sertanejas. O conhecimento pessoal é conduzido pelo vibrante movimento da vida a traves do significado das palavras, imagens fulgentes da comunicação intersubjetiva que identifica a atividade na comunidade humana. Cada palavra, na narrativa rosiana, está prenha de plenitude, tão plena que, em certo sentido, pode explodir e criar nova vida, pois toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada. Palavra pegante , dada ou guardada, que vai  rompendo rumo ( Rosa,1996:154).
Sem dúvida o “rumo” dos grupos hegemônicos, fazendeiros, tropeiros, sertanejos, jagunços,arrieiros, vaqueiros, boiadeiros, meeiros, capiaus, comerciantes, militares, igrejas e catrumanos etc.  encontrados, durante séculos, na sociedade agrícola feudal do Brasil, confirmam que a expressão rosiana de que  “uma coisa é pôr idéias arranjadas, outra é lidar  com país  de pessoas , de carne e sangue, de mil-e tantas misérias...” ( Rosa,1986)

segunda-feira, 14 de abril de 2014

A CORAGEM DO MEDO


O medo não é real, nem um perigo. O medo somente existe para os que são cegos. O cego não enxerga os objetos, não percebe a luz da realidade que muda as cores da vida, porque a vida não é o que se vê.É muito mais do que se observa nos fatos acontecidos. A realidade como a vida é um movimento que insiste em continuar no vai vem das ondas da história que transcendem toda realidade.

O sonho de mudar a realidade é a grande aspiração é inspiração dos artistas que são os operários que, com suas obras eternas, profetizam que mudar a vida é viável. È um sonho que pode tornar-se realidade, mesmo ante a morte, a contradição mais forte da história.

Guimarães Rosa na sua obra literária mais famosa revela um sonho de uma realidade bela, gostosa e solidária na descrição que desenha sobre o povoado Verde Alecrim:

.”... No Verde Alecrim as mulheres damas eram donas de terras, possuíam aquelas roças de milho e feijão nas vertentes da serra, nos dependurados. Delas era toda a terra plantável. Por isso,  os moradores e suas honestas famílias  serviam a elas , com muita harmomia de ser e todos os préstimos obsequiando e respeitando – conforme  eu mesmo achei bem: um sistema  que em toda a parte devia de sempre se usar”( Rosa, 1986 :465)

A vida em comum é ser e estar juntos com os outros.  O reconhecimento da existência do outro como principal expressão do bem comum é o motor que acelerará o porvir de uma sociedade humana fundamentada na paz e na felicidade. É só esperar. Não importa o quanto.  Na sociedade de amor , respeito e confiança não terá lugar para o medo.

A nova ordem social mundial do bem-estar forma um processo em evolução permanente. O mundo que esperamos é o mundo da sociedade do conhecimento compartido, do trabalho criativo pessoal e coletivo, do capital como meio de integração e realização e do mercado aberto como grande centro onde  se apresentam e reluzem, para contento de todos os moradores, as inovadoras mercadorias e todos os bens inventados e produzidos pelo interesse dos projetos pessoais e coletivos das comunidades locais, nacionais e internacionais. ( Perelló, 2004)

 
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