Jorge Solivellas Perelló
Escritor e Professor-www.cemper.com.br
A sabedoria e a beleza ligadas nas obras do João Guimarães Rosa avivam a esperança do encontro íntimo entre o reino animal, vegetal e mineral latente nos elementos pujantes do cerrado mineiro. Ele, no conto Campos Gerais, narra a emoção do menino Miguilim ao contar à mãe que o Mutum, sua terra nativa, era lugar bonito e sua mãe absorta noutra realidade subjetiva lhe responde:” estou sempre pensando que lá por detrás dele acontecem outras coisas, que o morro está tapando de mim, e que eu nunca hei de poder ver...”( Rosa 1967: 28-29).
Conhecer o cerrado dos Gerais significa saber e saborear as coisas que acontecem atrás dos morros e entre serras e vertentes do sertão. Sabedoria, segundo Rosa, em Grande Sertão , Veredas é desconfiar das idéias arranjadas e, no conto Burrinho Pedrês afirma que o que conhece das pessoas foi com o traquejo dos bois que apreendeu. Aprender é vislumbrar e criar outro sistema de vida social onde as famílias e as pessoas, sem exceção, vivam em harmonia servindo umas às outras, como Riobaldo, nas travessias, descobre no povoado- Paraíso Verde Alecrim:
No Verde-Alecrim, delas- mulheres damas- era toda a terra plantável. Por isso, os moradores e suas famílias serviam a elas, com muita harmonia de ser e todos os préstimos, obsequiando e respeitando - conforme eu mesmo achei bem: um sistema que em toda a parte devia de sempre usar. (1986: 466-7)
Guimarães Rosa não se fecha na prospera vida profissional de médico doutor. Comunica de maneira clarividente o estado anímico da existência humana no fértil cerrado mineiro. Mostra a dura realidade sertaneja, das mil e tantas misérias, imposta pelos grupos poderosos de fazendeiros, coronéis, políticos, militares, comerciantes, viajantes, igrejas e juristas. Como diplomata não se contentará em usufruir as benesses e belezas dos patronos e patrícios políticos. Ele saberá planejar o tempo favorável da vida burguesa para regalar ao mundo seu olhar sobre as pessoas da sociedade rural e urbana. Ele se torna mestre porque descortina o despontar da aurora desde a cátedra dos morros. . O doutor Rosa foi diplomado “Honoris Causa” pela universidade do cerrado. Seus princípios e teorias se apóiam no conhecimento e na prática dos grupos de vaqueiros, tropeiros, jagunços, meeiros, donas de barracos e moças em flor. Seus contos ensinam que as pessoas somente se educam, se alegram, festejam e se salvam em comunidade e na reza..
João não se intimidou ante as regras e métodos fixados pela escrita e fala. Ele, fiel e artisticamente, soube comunicar seu caminho pessoal e viajar no caos desse mundo. Revelou seu método peculiar e o seu estilo de escrever, de ler e de falar oriundo dos sertanejos, base da sabedoria popular. Sua obra máxima, Grande Sertão, Veredas, se torna a metodologia científica individual, única e permanentemente criativa. Ele teceu em filigrana uma existência pessoal repleta de afeto ao transformar pessoas, coisas e fenômenos em ações encantadoras. Vejam: “a flor do amor tem muitos nomes. Nhorinha prostituta, pimenta-branca, boca cheirosa, o bafo de menino-pequeno” (1986:164). Nesse texto, Rosa identifica, através do Riobaldo, o amor que sente na alma para às coisas e pessoas do mesmo modo como ama a namorada Otacília, pois “toda moça é mansa, é branca e delicada. Otacília era a mais”.
Segundo Meyer (2008), Rosa escreve com paixão e poesia, atraindo as pessoas para sentir e viver a natureza como sujeito palpitante, sem se ater a uma ideologia mesquinha e egoísta.
Recentemente em Nagoya (Japão), no Encontro da ONU sobre Diversidade Biológica, os 193 países concluíram compensar aos países tropicais exportadores de plantas, minerais e animais e, assim, justificar as patentes dos produtos em laboratórios de países ricos. Este fato configurou o fenômeno da já estendida biopirataria, camuflada pela crescente ideologia da ecologia de ficção.
A vida é muito discordada. Tem partes. Tem artes. Tem as caras todas do Cão e as vertentes do viver ( Rosa, 2008. p, 520 ).
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