quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011


T R A N S P A R Ê N C I A

                                                                                                                             Jorge Solivellas Perelló

                                                                                              Escritor e Professor-e-mail: jorge.solivellas@gmail.com

Honestidade

            Entre os politicólogos de plantão e pseudo- intelectuais cooptados pelos grupos dominantes das massas e, sobretudo, das sensíveis, moralistas e poderosas classes medias das sociedades pós-industriais  a palavra transparência forma o novo reclamo das lideranças, precisamente para contentar a população com frases de efeito sobre moralidade tão instalada na alma burguesa e, ausente, de vez  do meio social contemporâneo  

            O presente comentário sobre acontecimentos vivenciados nesta semana na cidade de Sete Lagoas - MG-, no bairro popular da Cidade Nova, lugar de aglomeração de moradores dos muitos grandes e recentes bairros circunvizinhos, desvela a existência e graça dessa harmoniosa palavra.

            Entrei na única casa lotérica que existe no bairro. Evidente que não era para jogar e investir em loterias, simplesmente, porque não acredito em jogos de azar. Fazia pagamentos corriqueiros. A caixa dos clientes preferenciais, surpreendentemente, ,estava fechada. As duas outras caixas que estavam funcionando tinham filas que chegavam ao passeio da esplêndida Avenida  Prefeito Alberto Moura. Estando a procura dum lugar entre os enfileirados, um deles bate às minhas costas e me dize: – A caixa de clientes preferenciais, momentaneamente, funciona no lado direito do corredor. Agradeci e fui para caixa que atendia os preferenciais. Era o terceiro cliente. Um jovem alto estava sendo atendido, depois vinha uma idosa magra, branca-rosa, rugosa, ativa. A funcionária que costuma atender a caixa dos clientes preferenciais voltou à caixa que estava fechada, a reabriu e bateu no vidro, chamando a senhora idosa que estava na minha frente, preparada para ser atendida. Ela virando o dedo em riste para a delicada funcionária comunica que não quer abandonar o lugar conquistado, pois já, já seria atendida. A boa funcionária lhe explica que ela será atendida imediatamente. A senhora emperrou. Não queria abandonar o lugar a que tinha direito. Aí eu com todo respeito e simpatia empurrei a senhora até a caixa, usada para uso prioritário. Ela v ira a cara pra mim e dize:  -  Obrigado, moço. Ai a funcionária, em vos alta e educada justifica aos clientes prioritários que tinha fechado momentaneamente a caixa, porque foi tomar um café e fazer pipi. Um senhor da fileira, em voz alta, responde: - É direito, senhora! Os presentes acharam a funcionária burocrata muito autêntica. A justificativa que dera era atípica, pois nas empresas e nas repartições públicas, em geral, as atitudes dos funcionários costumam ser típicas. Atitude típica no mercado de trabalho significa falsidade e descaso, O comportamento atípico comunica um comportamento em desuso. Quer dizer que o comportamento dito normal na sociedade mercantilista e, da mesma forma, na convivência social e familiar, os indivíduos foram condicionados a ser pouco autênticos, menos sinceros e quase nunca honestos, no sentido de serem honrados, dignos, decentes, íntegros, retos. Este comportamento sincero é raro na sociedade de consumo que construímos.

 

Aparências

            A funcionária da casa lotérica mostrou um comportamento de transparência, porque desvelou que os atos e necessidades naturais são dignos de serem manifestados, de modo natural, sempre que for necessário. Nada justifica a falsidade por realizar um ato natural. Tomar café e urinar são atos humanos muito naturais e dignos., como tudo o que é natural. No corpo humano e na natureza nada é falso, feio, imoral. Quem defende o contrário, com todo respeito, sem dúvida, tem outras intenções, ou é vítima, ainda, da filosofia maniqueísta, iniciada no século III , na Índia e estendida pelo ocidente de modo muito cruel, especialmente pelas religiões. Esta doutrina ensinava que o Universo fora criado e dominado por dois princípios antagônicos e irredutíveis: Deus ou o bem absoluto e o mal absoluto ou o Diabo, querendo simplificar, assim, a existência dos princípios opostos, bem e mal que tanto favorece os grupos dominantes do ocidente tradicional

            Recentemente, graças aos muitos fatos históricos e fenômenos físicos e psíquicos como movimento solar, a epilepsia e histeria que foram tidos como  fenômenos maléficos e contrários a religião, o constante avanço da ciência e tecnologia nas teorias recentes de físicos, e biogenéticos situou estes fatos, aparentemente diabólicos, no devido lugar de fatos humanos que mereciam tratamento humano diferenciado.

            Os grupos que defendem a existência natural do bem e do mal no mundo buscam justificar atos humanos incompreensíveis como guerras, escravidão do trabalho, doenças, invasões, fome, estupros, como fatos naturais inevitáveis. O fato estava numa visão distorcida das aparências que sempre enganam.

            Nosso João Guimarães Rosa nas suas obras permanentemente ensina que o mal e o diabo são os outros. O filósofo francês Sartre escrevia a frase, hoje, muito repetida, de que o inferno são os outros.

            Os papas de nosso tempo, João Paulo II, pouco antes de morrer mudou os conceitos de limbo, inferno e céu como situações de ânimo  que as pessoas podem sentir. E Bento XVI, há pouco mais de mês declarou que o purgatório não existe como lugar de espera e de tormento.    

            A simples e boa funcionária da casa loteria do bairro Cidade Nova com sua natural transparência ensinou o direito de dizer o que se pensa e o que se faz e que tudo o que é natural nunca pode ser um mal.

            Por que será que quando uma pessoa sincera fala palavrão os ouvintes morrem de rir?

            Ainda, por que será que quando os artistas fazem gestos tidos como obscenos a platéia também deita de gargalhas?

            Deve ser porque a multidão transfere para os artistas  e corajosos a vontade reprimida do ser sinceros como eles.

A autenticidade da burocrata da casa lotérica ensinou aos presentes o que é essa palavra transparência de que hoje tanto se manipula.

           

 

 

 


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