GRANDE SERTÃO: VEREDAS; A FORÇA DA BELEZA
Jorge Solivellas Perelló
Escritor e Professor- www.cemper,com.br
O clássico historiador Plutarco ensina que ao contar a história de um herói resulta impossível narrar exaustivamente todas as façanhas da personagem. A causa dessa dificuldade reside nas grandes quantidades de ações, de fatos, de escritos e de discursos que se encadeiam na vida dos grandes homens da história como Alexandro Magno, Cesar, Homero e Guimarães Rosa. Por isso sempre é melhor contar sumariamente alguma particularidade que se pode descobrir dentro da ingente obra da vida das celebridades.
O escritor se parece ao pintor que sempre costuma pintar os rasgos mais destacados do caráter da personagem que busca desenhar. Os destaques ilustrados são sempre subjetivos. O artista olha pessoas, coisas e fenômenos acontecidos de um modo pessoal, único, diferente. Relaciona-se com a sensibilidade e com o talento de cada observador, pintor, cantor ou narrador.
Além disso, todo contador de histórias reais experimenta grande dificuldade para distinguir as virtudes dos defeitos que podem misturar-se na vida e na obra de toda personagem. Nos campos cultivados aparecem o trigo rozando à cizânia. Quem é sensível sabe distinguir, respeitar e valorizar cada aspecto da realidade que percebe nas pessoas e objetos que descreve.
Às vezes um pequeno assunto, uma palavra, um humor, um delicado gesto, um olhar revelam melhor o caráter de uma pessoa, muito mais que sua empolgante participação aos grandes acontecimentos e façanhas feitos em favor das comunidades e dos povos por onde se vive. O artista, o escritor e mestre talentoso costumam penetrar e comunicar as intimidades das pessoas que analisam e descrevem. Contar e desenhar a alma dos indivíduos demonstra sabedoria e o poder de comunicar parte da realidade pessoal e social abrangente onde se desenvolvem as histórias que se desejam narrar.
Rosa era sábio, porque sabia tirar dos reinos da realidade escondida a beleza humana que escondem, como quando no conto "Campos Gerais" nos narra a emoção do menino Miguilim ao contar a sua mãe que o Mutum, sua terra nativa, era lugar bonito e sua mãe absorta noutra realidade lhe responde: "estou sempre pensando que lá por detrás dele acontecem outras coisas, que o morro está tapando de mim, e que eu nunca hei de poder ver..." Rosa (1967: 28-29).
Aprender é descobrir outras coisas que acontecem detrás dos morros da vida. Aprender é como diz Guimarães Rosa, desconfiar daquilo que os outros ensinam. Aprende-se com o traquejo do comportamento das pessoas. Aprender é vislumbrar e inventar outro sistema de vida social onde as famílias e as pessoas todas, sem exceção, vivam em harmonia servindo umas às outras, como Riobaldo, protagonista do romance Grande Sertão: Veredas descobre no povoado Verde Alecrim:
. Cheguei e logo achei que lugar tal devia era de ser nome de Paraíso. No Verde-Alecrim, delas era toda a terra plantável. Por isso, os moradores e suas famílias serviam a elas, com muita harmonia de ser e todos os préstimos, obsequiando e respeitando - conforme eu mesmo achei bem: um sistema que em toda a parte devia de sempre usar. (1986: 466-7)
João Guimarães Rosa é um aprendiz eterno porque mostra com produtos belos, duradouros o que ele aprendeu. Ele não se fecha na prospera vida profissional de médico doutor. Ele se abre ao mundo do sertão que atende, diagnostica e sara, aprendendo a participar, como autor, do redemoinho da vida. Como diplomata não se contentará em usufruir as benesses e belezas dos patronos e patrícios políticos com os quais lidou durante mais de vinte anos. Ele saberá planejar o tempo favorável da vida burguesa para regalar ao mundo suas obras e escritos clássicos que humanizarão as pessoas da sociedade atual e futura. Ele é mestre porque sua luz meridional foi posta no alto dos morros das comunidades para iluminar e guiar todos os que são ávidos de verdades.
João não se intimidou ante as regras e métodos fixados pela escrita e fala. Ele, fiel e artisticamente, soube sinalar seu caminho pessoal de ir pela vida desse mundo, ele soube revelar seu método peculiar e o seu modo de escrever, de ler e de falar do povo e dos sábios que acreditam na sabedoria do povo. A obra épica Grande Sertão, Veredas, é o eterno exemplo da metodologia científica pessoal, individual, única e eternamente criativa. Ele soube tecer em filigrana uma existência pessoal repleta de afeto ao transformar pessoas, coisas e fenômenos em atos de amor, como vemos no texto que segue: "a flor do amor tem muitos nomes. Nhorinha prostituta, pimenta-branca, boca cheirosa, o bafo de menino-pequeno" ( Rosa,1986:164). Nesse texto, Guimarães Rosa identifica o amor que sente em sua alma a todas às coisas e pessoas do mesmo modo como ama sua namorada Otacília, pois "toda moça é mansa, é branca e delicada. Otacília era a mais". O amor humaniza e personaliza tudo o que as pessoas tocam, e essa presença amorosa nas pessoas e objetos os fazem transcender e ser de um modo eterno, divino. Aprender - repetimos é conhecer para bem viver e viver amando, construindo, assim, a identidade que realmente personaliza." Eu sou é eu mesmo"(Rosa, 1986.p.8).
A sensualidade fruída ao contemplar as infinitas cores do horizonte longínquo do cerrado sertanejo repleto de flores e plantas infunde na alma uma sensação de prazer instintivo e divino. Este gozo delicado, fecundo, livre e emocional está incluso na palavra mística, sempre mal entendida, por ter sido mal explicada pelos tímidos mestres. O bem - estar que penetra no âmago da alma contemplativa da beleza material, como a rosa e da beleza imaterial - como a cultura – que constroem a realidade complexa do mundo, do cosmos se sintetiza no fato místico do contato feliz sem fim.
Ao contemplar a natureza descrita na poesia literária das obras de Guimarães Rosa entramos na sensualidade amorosa do prazer que emana da plenitude dos objetos e personagens reinventados por Rosa, porém presentes na vida real. Mística significa contemplar e gozar a realidade da natureza criada.
Nas obras de Rosa se encontram todas as belas artes da história humana como são: literatura original, humorismo, divertimento, religião, representação de personagens que se encontram por toda parte da sociedade, qualquer que seja. Pensar Rosa é pensar Sete Lagoas. É pensar Minas. É pensar o mundo. Discutir Rosa é fundamentar a vida. ".O vau da vida é a alegria. O vau da vida é a coragem. Carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que salva da loucura."( Rosa, 1986.p.8)
Conhecer as obras de Rosa significa rever o mundo em suas belezas naturais e imateriais das artes materializadas na literatura, danças, músicas, contos e teatros representativos da vida do sertão que, segundo Guimarães Rosa é o mundo. Debater a temática de Rosa é penetrar na cultura que fomenta a vida progressiva da comunidade na qualidade da vida.
. Os estudos e avaliações dos nomes das plantas, paisagens e personagens, pestes , superstições e fé que cita e descreve Guimarães Rosa, comunica, sem dúvida, a sensação de penetrar na dança do prazer da vida.
A terra com as plantas, árvores, águas, animais e frutos foi criada para ser cultivada pelo homem. O homem é o senhor da terra. A aventura dos homens será sair da casa. Caminhar pelo mato em companhia de lavradores, sertanejos e profissionais aventureiros na procura de melhores lavouras para melhor plantar e recolher os alimentos para as famílias A Terra é Mãe de tudo e a todos cuida. Na aventura de cultivar a terra acontecerão fatos inesperados, misteriosos, tenebrosos, criminosos, porém sempre esperançosos e demais prazerosos.
BIOGRAFIA
Guimarães Rosa. J. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.
Lorenz Günter. "Diálogo com Guimarães Rosa". Guimarães Rosa. (Coleção Fortuna Crítica). Org. Eduardo F. Coutinho. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,1983. pp 62-100
Solivellas Perelló. J. . Amantes de Rosa: o prazer de ler. Sete Lagoas, Ed. Sertão, 2006
...........................................................Guimarães Rosa e Miguel de Cervantes contemplativos do sertão e de La Mancha, a realaidade. In: Veredas de Rosa. Belo Horizonte.Puc. Minas, 2000,PP.304
.........................................................Felisberto e Maritornes, dois nomes, dois lugares, dois tempos e um humanismo.in: Veredas de Rosa II. Belo \Horizonte, Puc. Minas, 2001.pp.349
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